JOSÉ CARLOS
BOHRER
José Carlos Bohrer trabalhou durante 41 anos na Dana e deixou um legado conhecido pela firmeza e eficiência com que administrou a empresa.
In Memoriam ✩ 21/4/1928 ✝30/11/2021

José Carlos Bohrer. Zeca Bohrer. Bohrer. Zeca. São várias as maneiras de se referir a ele, dependendo da relação que cada um teve com este mito da Albarus, da Dana e da própria indústria automobilística no Estado e País.

E como não poderia deixar de ser, Zeca nos apresenta um desafio ao tentarmos escrever este perfil. Primeiro, foi protagonista de uma história longa, rica, cheia de detalhes, difícil de registrar em um espaço limitado como este. E segundo, porque ele não nos dá os detalhes que buscamos. Não traz para si a autoria, por mais que sua parceira Isabel o incentive e tentemos induzir. Basta ler um pouco sobre a história da empresa, ver as fotos em momentos-chave, e ele está lá. De certa forma, não há o que questionar, quem o conhece “sabe”. Sabemos e deduzimos o seu papel de protagonista, mas ele não o assume. E quando o faz, faz de surpresa, como ao repetir um raro e eventual gracejo ao contar sobre uma recente visita ao Centro Industrial de Gravataí, onde o guarda da empresa de segurança terceirizada lhe perguntou inocentemente “quem era”: com seu forte, inesquecível e marcante sorriso, apontou para a fachada do ginásio onde fica a Associação de Funcionários, que tem o seu nome em letras garrafais afixado: “sou aquele lá”.

Seu estilo de liderança até hoje pode ser identificado na Dana, na busca incansável pelos melhores resultados, ao exigir performance sem facilidades, ao dizer diretamente o que busca ou espera. Pois para nos ajudar a contar esta história, pedimos para alguns dos seus ex-colegas que contem um pouco sobre como foi trabalhar com ele, combinando com algumas passagens que compartilhou conosco. Nada mais justo do que ter um formato diferente para contar uma história tão única.

Ao ser contratado, tinha duas grandes missões: aumentar a popularidade da cruzeta, produto que seria o “carro-chefe da empresa” e aumentar substancialmente a carteira de clientes. Fez isso e muito mais – construiu uma sólida carreira e, durante mais de trinta anos, foi o principal executivo brasileiro da empresa – de 1970 até 1994.

Bohrer relembra um pedaço da história anterior à sua admissão na empresa. “Ricardo Bruno Albarus, quando imigrou da Alemanha para o Brasil, conheceu sua futura esposa no navio. Ele Já conhecia alguns alemães que estavam no Brasil, e se associou com eles – antes de começar a Albarus. Eram três alemães – Martau, Lindau e Albarus – e eles fabricavam giroscópios pra submarinos, muito usados durante a guerra. Quando esta chegou ao fim, a sociedade se desfêz e Ricardo Bruno Albarus ficou com algumas máquinas – duas prensas. Com elas, faziam formas para solados de calçados para a indústria. Em 1953, quando o negócio de importação no Brasil ficava difícil, apareceu um cliente na fábrica que nos consultou sobre a possibilidade de fazermos cruzetas”, recorda. Era o começo de uma nova fase.

Bohrer, com formação em engenharia, foi admitido na empresa como vendedor – por isso, a missão de tornar a cruzeta conhecida: “Minha meta era conhecer clientes e representantes do Brasil todo.”

Outro episódio curioso ressaltado por Bohrer foi o começo da carreira do saudoso Enio Moura Valle, que durante muitos anos também teve papel central na companhia. Bohrer comenta que a Dana, já com participação acionária importante na Albarus no final da década de 50, pediu que buscassem alguém de finanças para a empresa. Enio Moura Valle era professor da Universidade no Rio de Janeiro e ex-oficial da Marinha e procurava emprego. “Indiquei-o para assumir o cargo, mas acharam que ele não tinha o perfil de finanças – acabou assumindo como Chefe de Pessoal. A Albarus já tinha mais de 2 mil funcionários e precisávamos de ajuda. E um mês depois, ele já assumia como Chefe de Finanças”, relembra, aos risos.

Outra história curiosa veio à tona quando da lembrança da construção da primeira fábrica da Albarus em Porto Alegre. “Na Joaquim Silveira, onde instalamos a fábrica, era uma baixada onde se criava gado – eu sei disso porque o terreno onde antigamente era a fábrica da Albarus, era do pai de um colega meu, José Silveira. Eu fui até lá, fiz o levantamento geográfico e construímos a nossa fábrica”, recorda.

Sobre a produção de juntas homocinéticas, relembra: “um grupo de engenheiros da Albarus foi enviado para a Alemanha pra estudar o produto e o processo de fabricação – entre os quais, Johann Limbacher, Wolf Zwick, Erni Koppe, Edgar Albarus – e importamos as máquinas todas, construímos a fábrica e passamos a produzir”, diz.

Confira, aqui, alguns depoimentos de alguns amigos e ex-colegas:

“Sinto-me honrado ao falar de Zeca Bohrer – e é muito fácil falar nele, que é uma pessoa muito especial. Conhecemo-nos há muitos anos, desde antes de entrarmos na Albarus, e trabalhamos juntos durante muito tempo. Eu aprendi muito com o Zeca, um líder único e responsável por momentos muito importantes na trajetória da empresa, inclusive de pioneirismo e ousadia únicos. A Albarus deve, substancialmente, tudo o que é ao Zeca Bohrer.”

Vitor Vieira

“A gente se conhece desde que o Zeca e a sua esposa, Isabel, moravam num apartamento na rua Aracaju, o primeiro onde residiram em São Paulo. Trabalhamos juntos durante 44 anos no Brasil e no exterior e, de todos estes anos de convivência, posso afirmar: o Zeca nunca foi um chefe, sempre foi alguém que nos orientou, um visionário, uma pessoa que sabia das coisas antes que ocorressem. Isso orientou o grupo de lideranças da empresa a realizar importantes conquistas. Prova disso é que ganhamos o prêmio de empresa melhor liderada na indústria automobilística brasileira da revista Exame. Este reconhecimento só foi possível graças ao nível de amizade e coleguismo entre as pessoas da empresa, especialmente entre as lideranças – clima este que permanece até hoje.”

Moacyr Negropuerta

Quando eu olho pro Zeca, vejo um guri. Foram tantos e tantos anos vivendo, trabalhando, lutando e sofrendo juntos, com alegrias e tristezas, que parece que passaram em um piscar de olhos. Sempre um líder decidido, o comando dele foi fundamental para tudo. Eu, que fui oficial da Marinha, sempre tive meus objetivos bem definidos e uma rota para alcançar minhas metas, mas o Zeca era muito mais comandante do que eu. Foi um companheiro, um chefe, um amigo. Toda a equipe que colaborou com muita alma e com amor para que a Albarus chegasse ao patamar que queríamos, tem muito a agradecer ao Zeca, nosso guia.”

Enio MouraValle (já falecido, em depoimento gravado para a ocasião do aniversário de 80 anos de Bohrer)

“Quando penso no Zeca, tenho uma certeza: a coisa mais importante do ser humano é ser humano. O Zeca sempre foi humano – durante todos os meus anos de convivência com ele, eu sempre tive a certeza de que ele era um chefe que era muito gente como a gente, humano, uma pessoa com muita empatia. Ele sempre representou isso pra mim. Lembro que, numa manhã de domingo, ele apareceu na fábrica com um visitante americano. Estava na fábrica aquele dia, e o americano perguntou o que eu estava fazendo lá. Respondi que o responsável pelo forno de tratamento térmico não tinha ido trabalhar, eu estava substituindo-o”. O americano ficou espantado com o fato de um gerente estar lá fazendo aquilo, ainda mais num dia de folga. Mais tarde, quando eu estive viajando aos Estados Unidos, alguém veio me contar que essa história correu por lá. Eu comentei, apenas: ‘‘o único cara que merecia isso era o Zeca, um chefe muito bom e humano com todos. Ele merecia tudo’’”.

Johann Wolfgang Limbacher (já falecido, em depoimento gravado para a ocasião do aniversário de 80 anos de Bohrer)

“Tenho muito orgulho de ter construído coisas importantes com a ajuda do Zeca, liderado por ele. A Albarus era uma empresa com uma história tão sólida também graças a este empreendedor, businessman impecável e, mais importante de tudo, um visionário”

Sidnei Del Gaudio

“O Zeca foi um chefe muito leal, e um verdadeiro amigo dos colaboradores, durante muitos e muitos anos. Só tenho a agradecer tudo o que aprendemos todos com ele”.

Tito Livio Goron

“Sou extremamente grato pelos 23 anos em que trabalhei diretamente com o Zeca, acredito que a empresa cresceu muito devido ao empreendedorismo deste líder único, impressionante, um chefe que trabalhava muito afinado conosco e que nos fazia ser sempre melhores. A colaboração deste time, que trabalhava muito unido e na mesma direção, é também um dos muitos méritos do Zeca”.

Slavko Rozman

“Embora eu seja da ‘Velha Guarda’, entrei na Albarus já na metade do caminho da empresa, vim para ela junto com a Racine Hidráulica, mas convivi um pouco com o Zeca dento da empresa – a amizade permaneceu a mesma depois que ele se aposentou, e a gratidão só aumentou. Agradeço a ele pelos anos de orientação, visão e experiência que ele trouxe para a empresa”.

Paulo Born

“Conheci o Zeca quando eu era estagiário na Albarus, em 1959, e ele já era Diretor da empresa, em São Paulo. Nós, aqui em Porto Alegre, tínhamos que lutar para atender as necessidades do mercado e o Zeca vinha de lá para cobrar um melhor desempenho da gente. Sempre me impressionou a forma como ele fazia isso: com um tom muito amigável, de forma simpática. Ele era um verdadeiro líder – e um líder é uma coisa muito difícil de se definir, mas uma coisa posso dizer: ele nos conduziu através de tormentas e dificuldades, e nos trouxe segurança e confiança. Ás vezes, eu achava que ele pensava que a gente ia era acabar levando a empresa à falência (risos), mas isso nunca aconteceu graças ao seu tino fantástico para negócios – ele sempre trazia o barco para a rota certa”.

Um líder carismático, um chefe dominante sem ser asfixiante. Reconhecedor de talentos. Forte magnetismo pessoal, charmoso, elevado senso de humor adequado nos momentos críticos. Ágil na tomada de decisões importantes, delega autoridade, não gosta de rotinas. Segue regras que lhe convém, independente sem ser rebelde, forte intuição justo – um vencedor!”

Paulo Regner

“Em 56, o presidente Juscelino Kubitschek assinaria o decreto que incentivava o desenvolvimento da indústria automobilística no Brasil – isso foi providencial para nós, e ajudou a empresa a crescer muito.”
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“Em 56, o presidente Juscelino Kubitschek assinaria o decreto que incentivava o desenvolvimento da indústria automobilística no Brasil – isso foi providencial para nós, e ajudou a empresa a crescer muito.”