Experiência transformadora

O sonho de Diego Peterson, 26 anos, sempre foi trabalhar na mesma empresa que o irmão e o pai – a Dana, e isso foi possível com a implantação do projeto de inclusão de pessoas com deficiência intelectual. Com desempenho notável desde a formação de aprendizes, o jovem foi contratado antes mesmo do final do curso, passou por várias áreas e aprendeu diversas atividades – com o salário, comprou um carro e já foca no próximo objetivo, a casa própria.

Desde 2013, a Dana, em parceria com o SENAI e APAE de Gravataí, vem preparando pessoas com deficiência intelectual para trabalharem em suas operações no Rio Grande do Sul. Para isso, os candidatos participam de um curso de aproximadamente um ano, com 400 horas de aulas teóricas (realizadas pelo SENAI, nas instalações da APAE, em Gravataí) e 400 horas de prática (atividades industriais na Dana), com 4 horas diárias. Eles recebem bolsa de estudo e têm a oportunidade de serem contratados pela empresa ao final da formação.

As disciplinas capacitam os então aprendizes para desempenhar funções no processo produtivo. Abordam treinamento em atividades de concentração, desenvolvimento motriz, conhecimento do produto da empresa, noções sobre regras de segurança e qualidade. A formação contribui também para o desenvolvimento da responsabilidade, comprometimento, autonomia e autoconfiança dos alunos.

Até 2014, duas turmas de aprendizes, de 18 a 50 anos, foram formadas, totalizando 30 efetivações. “Eles são avaliados e acompanhados nas funções que executam da mesma forma que os demais colaboradores, dentro das suas limitações”, explica Maria Aparecida Fortes, assistente social da Dana, gestora do projeto de inclusão social, confirmando o grau de exigência e fundamentando os princípios de igualdade de tratamento que permeiam o programa.

Time comprometido
Os colegas destacam que os aprendizes e funcionários com deficiência são automotivados, concentrados e comprometidos. “Dedicam muita atenção ao que estão fazendo. Eles também aprendem muito a lidar com as responsabilidades e as metas do trabalho”, conta Denise Folmer, inspetora, ressaltando que os companheiros de trabalho não passam a mão na cabeça de ninguém: eles são exigidos igualmente por horário, uniforme ou se conversam demais. “Percebemos que eles querem ser tratados como iguais”, relata Regio da Silveira Leal, coordenador de engenharia industrial.

Outro fator para autoestima é o orgulho em contribuir na renda familiar. A inserção social no ambiente de trabalho tem sido um meio das famílias enxergarem o potencial de seus filhos, geralmente criados com um grande senso de proteção e preocupação. Com a experiência de trabalho e o acompanhamento de profissionais da APAE e SENAI, as famílias compreenderam gradualmente que seus filhos podem e devem conquistar mais autonomia.

Superando expectativas
O projeto de inclusão de pessoas com deficiência intelectual foi desenvolvido para fomentar os valores de inclusão social e diversidade aos seus colaboradores e engajar como parceiros outros atores sociais locais. Também considerou o conceito da acessibilidade humana, com foco no objetivo de dar a essas pessoas condições de ingressar em um ambiente saudável e inclusivo na empresa, onde pudessem desenvolver seus conhecimentos, habilidades e atitudes. “Temos muito preconceito quando não convivemos com pessoas com deficiência. Eles demonstram que podem fazer mais do que a gente espera, nós é que temos que abrir a mente”, revela Alex Brasil, da área de supervisão de seção.

A empresa foi sensível à inclusão de pessoas com deficiência intelectual por ser um dos perfis mais marginalizados no mercado de trabalho. Ainda assim, realizou um estudo, com uma consultoria especializada para identificar qual tipo deficiência seria mais compatível com o processo produtivo e com a sede. Coincidentemente, o Relatório de Acessibilidade constatou que o ambiente era mais receptivo a pessoas com deficiência intelectual, exigindo menos adaptações e permitindo melhor aproveitamento.

O departamento médico, o setor de engenharia de processos e de manutenção e controle de qualidade compuseram a equipe responsável por providenciar o maquinário adaptado e adaptar a estrutura física da empresa. Profissionais da APAE e do SENAI participaram da avaliação das condições de trabalho, e são constantes os estudos para identificar possíveis melhorias de ergonomia. Além disso, a empresa continua investindo para promover a inclusão de pessoas com outras deficiências e faz constantes avaliações e mudanças para aprimorar a acessibilidade.

No SENAI, a experiência já contribuiu para a elaboração de cursos para outras empresas com demandas similares. “A iniciativa da Dana de incluir pessoas com deficiência foi muito além do mero cumprimento da Lei de Cotas. Houve um envolvimento de toda a unidade fabril no processo que realmente acolheu os novos colegas de uma forma muito positiva. Com eles, eu aprendo muito mais do que ensino. São pessoas maravilhosas, muitas vezes com história de vida difíceis, que buscam crescer”, garante o professor no SENAI Sérgio Guterres Nunes.

Soluções criativas
O convívio do grupo de colaboradores da Dana em contato diário com pessoas com algum tipo de limitação de linguagem, que não lê ou escreve, tem estimulado a criatividade e a superação na busca de formas eficazes de comunicação. Por exemplo, desenhar na mesa do profissional o modelo da peça com a qual ele trabalha, ou usar código de cores como recurso de comunicação ou para apoiar a movimentação dentro dos inúmeros corredores das fábricas.

A interação com o grupo também contribui para a humanização do ambiente de trabalho. “A presença deles aproximou a equipe. Todos colaboram de forma espontânea”, reforça Régio Leal. A assistente social Maria Aparecida Fortes vai além: “depois que a gente se envolve com a causa, a gente se apaixona por eles”.

Mas talvez a evidência mais contundente de como há um mito que pode ser superado resida, exatamente, nos índices de produtividade dos colaboradores com deficiência intelectual. Certificada desde 1999 com a ISO 14.001, a empresa aplica conceitos de melhoria contínua em todas as linhas de produção – uma delas passou por uma grande mudança e alcançou índices de 25% de produtividade. Ainda que esse processo faça parte da rotina da Dana, há outro componente que vem contribuindo. Antes, o próprio operador de montagem buscava as peças, consumindo tempo de operação no seu deslocamento. O ingresso de dois profissionais com deficiência intelectual permitiu otimizar a produção: eles são responsáveis por preparar um kit com a quantidade exata de componentes para cada montagem e levá-los aos operadores. Além do ganho no volume de produção das peças, houve aumento no controle de qualidade. Com a pré-montagem dos kits, o operador não deixa escapar nenhum passo do processo, atingindo a impressionante marca de zero erros.

O coordenador de Engenharia Industrial reconhece que a linha de produção de eixos é uma das operações mais difíceis. “A curva de aprendizado do Luís e do Tiago ocorreu dentro do previsto e hoje essa função é com eles”, salienta Régio Leal. Nas demais áreas, os colaboradores com deficiência intelectual vêm apresentando desempenho igual ou superior aos profissionais sem deficiência.

A Dana agora inspira a região, gerando valor às pessoas com deficiência intelectual, à sua própria equipe e à comunidade. “No começo havia muito temor, o que é natural, mas se a gente não tivesse arriscado, não teríamos feito nada. Hoje, vejo o quanto já aprendemos e continuamos aprendendo todos os dias”, avalia Maria Aparecida Fortes.

A iniciativa rendeu à Dana, em 2015, o Prêmio Top Cidadania, promovido pela ABRH – RS (Associação Brasileira de Recursos Humanos do Rio Grande do Sul), que reconhece as companhias que se destacam por suas práticas de gestão de pessoas, desenvolvimento humano e responsabilidade social.

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