Consumo sem combustível

O Estado de S. Paulo

 

Se o governo apostou no consumo das famílias para movimentar a economia, é bom mudar o jogo com urgência. Apesar da melhora em alguns segmentos, o desempenho geral continua ruim. Consumidores estão menos pessimistas que no ano passado, segundo algumas pesquisas, mas os números do comércio continuam sem refletir essa mudança de humor. Desemprego elevado, sinais de recuperação ainda fracos e esparsos, amplo endividamento e crédito escasso podem estar reprimindo a disposição de gastar. Os efeitos da recessão permanecem no varejo, de acordo com os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

 

Em março, o volume de vendas do varejo restrito foi 1,9% menor que o de fevereiro e 4% inferior ao de um ano antes, segundo o IBGE. Somando-se a esse conjunto o segmento de veículos e motos, partes e peças e também o de material de construção, chega-se ao varejo ampliado. A queda de fevereiro para março, neste caso, foi de 2%, enquanto a comparação com o mesmo mês de 2016 mostrou um recuo de 2,5%.

 

Alguns analistas do mercado mostram insegurança quanto aos números do IBGE, depois da mudança metodológica anunciada recentemente, com ampliação da amostra e alteração de pesos. Além disso, há quem aponte detalhes aparentemente estranhos nos últimos dados. Segundo o economista Fábio Pina, assessor da Federação do Comércio do Estado de São Paulo, as vendas de março devem ter sido menos fracas do que indicaram os dados do IBGE. Ele chama a atenção, de modo especial, para um ponto surpreendente: na comparação dos números de março deste ano com os de março do ano passado, as vendas em hiper e supermercados caíram 8,7%, enquanto as de veículos e componentes diminuíram 6,1% e as de eletroeletrônicos aumentaram 10,5%.

 

É estranho, de acordo com Pina, o recuo maior das vendas de supermercados, num ambiente de crédito escasso, mais desfavorável ao comércio de bens de alto valor, como automóveis e eletrodomésticos.

 

Por esse raciocínio, no entanto, ficam ainda mais estranhos os dados de licenciamento de veículos leves publicados pela associação das montadoras, a Anfavea: em março, o número foi 6,2% maior do que o de um ano antes. No caso dos automóveis de passageiros, o aumento foi de 7,1%.

 

Mesmo com algumas dúvidas e detalhes surpreendentes, parece claro o desempenho fraco da maior parte do varejo, no primeiro trimestre. O caso dos veículos parece mesmo especial. Não só em março, mas no trimestre, houve sinais positivos. Nos primeiros três meses, o número de veículos licenciados foi apenas 1,1% menor que o de janeiro a março de 2016. Considerados apenas os nacionais, no entanto, o balanço mostra um aumento de 4,6%. O recuo ocorreu nos negócios com os importados.

 

Do lado positivo, os dados do IBGE mostram uma firme recuperação das vendas de móveis e eletrodomésticos, com dados mensais positivos em todo o trimestre. No acumulado do ano, o volume de vendas foi 3% superior ao do mesmo período de 2016. Em 12 meses, no entanto, ainda houve um recuo de 7,8%. No varejo de tecidos, vestuário e calçados o volume negociado em março foi 1% menor que o de fevereiro, mas o acumulado no trimestre superou o de um ano antes por 4,7%. As vendas de materiais de construção, até março, foram 4,2% maiores que as do primeiro trimestre do ano passado.

 

Em sete dos dez segmentos listados na pesquisa as vendas de janeiro a março ficaram abaixo das de um ano antes. Em todos os segmentos continuaram no vermelho os números dos últimos 12 meses. O retorno aos níveis de 2016, já baixos, ainda vai demorar.

 

Por enquanto, a inflação em queda foi insuficiente para estimular o consumo, embora a alta de preços mais moderadas sem dúvida melhore o orçamento familiar. O acesso às contas inativas do FGTS deverá servir, em boa parte, para a liquidação de dívidas. Mantido esse quadro, restarão as exportações e os investimentos dependentes do setor público para dinamizar a economia. (O Estado de S. Paulo)