Carros transportam 30% dos passageiros, mas respondem por 73% das emissões em São Paulo

O Estado de S. Paulo

 

A preferência dos paulistanos pelos carros particulares tem impacto não somente no trânsito da cidade, mas também sobre a qualidade do ar e o aquecimento do planeta. Análise inédita sobre a contribuição de cada modo de transporte de passageiros nas emissões de poluentes revela que os carros são responsáveis por 72,6% das emissões de gases de efeito estufa do setor, apesar de transportarem cerca de 30% das pessoas. Valores semelhantes ocorrem para outros gases poluentes, que fazem mal à saúde.

 

Os dados, obtidos com exclusividade pelo Estado, fazem parte do Inventário de Emissões Atmosféricas do Transporte Rodoviário de Passageiros no Município de São Paulo, que será lançado hoje pelo Instituto de Energia e Meio Ambiente (Iema). O levantamento mostra o impacto da escolha pelos carros em vários indicadores. Um deles é o de distância percorrida. O total de carros e o total de ônibus transportam volume parecido de pessoas na cidade (cerca de 30% contra 40%), segundo Pesquisa Origem e Destino. Mas, conforme os cálculos do Iema, os carros ocupam 88% do espaço das vias, ante somente 3% usados pelos ônibus.

 

“É bastante chocante quando se juntam todos esses números. Temos mais de 70% das emissões de gases estufa para transportar 1/3 dos passageiros, ocupando quase 90% do território da cidade”, resume o pesquisador David Tsai. “É uma ineficiência tanto pelo uso do espaço público quanto pelo consumo de energia”, diz.

 

Outra forma de ver isso é pela quantidade de gases de efeito estufa que é emitida por uma pessoa por quilômetros percorridos em cada modal. Andando sozinho de carro, o passageiro vai emitir 65,8 gramas de gás carbônico-equivalente (CO -e) por quilômetro, quase quatro vezes mais do que faria se estivesse em um ônibus com outras pessoas (17 gramas).

 

Impacto total

 

O inventário oficial de emissões da cidade, organizado pela Prefeitura, já tinha mostrado que o setor de transportes respondia por 61% das emissões totais, segundo dados de 2011. O novo estudo inova ao mostrar o papel de cada modo de veículo, assim como as emissões distribuídas pela cidade e por horário ao longo do dia. Os dados estão disponíveis em plataforma online no site: emissoes.energiaeambiente.org.br.

 

Para chegar a esse resultado, os pesquisadores trabalharam com estimativas de emissões com base em dados oficiais já disponíveis, como a quilometragem percorrida pelos veículos nas vias ao longo do dia, fornecida pela Companhia de Engenharia de Tráfego (CET), e fatores de emissões do Programa de Controle da Poluição do Ar por Veículos Automotores (Procomve) adaptados para refletir o impacto de congestionamento nas velocidades. Geralmente, quanto mais parado o veículo mais ele emite poluentes.

 

A ferramenta, explica Tsai, tem como objetivo ajudar a encontrar as soluções mais adequadas para o transporte na cidade. “Antes de implementar uma medida como redução de ciclovias ou de faixas exclusivas de ônibus ou de mudança de tecnologia ( como trocas de combustíveis), é possível checar com o inventário o impacto que elas podem ter”, afirma. A ideia é que sirva, por exemplo, nas discussões sobre a nova licitação de ônibus que vai responder pelos próximos dez anos.

 

O trabalho dialoga com outro estudo feito pelo Iema que mostrou que de 2012 para 2014 a velocidade de ônibus cresceu, em média, 14% em locais que passaram a ser servidos com faixas de ônibus. Enquanto isso, as emissões de gases de efeito estufa caíram 5%. O trabalho está em: www.energiaeambiente.org.br/faixas.

 

“Os resultados apresentados pelo Iema dão subsídios muito importantes para a elaboração de projetos de políticas públicas. Mostram que há a necessidade de ampliar o uso do transporte coletivo e diminuir o individual. Se mais pessoas passarem a usar o transporte público, diminui a emissão de CO2 por passageiro. Lembrando que para a Região Metropolitana de São Paulo, a principal fonte de emissão de poluentes é a frota veicular”, comentou Maria de Fatima Andrade, pesquisadora do Departamento de Ciências Atmosféricas da USP, após ver os dados do inventário.

 

“É mais um indicativo de que o transporte público é a forma mais eficiente para mobilidade urbana sob o ponto de vista ambiental e de congestionamento”, concordou o pesquisador Cristiano Façanha, do Conselho International pelo Transporte Limpo (ICCT).

 

“A melhora da eficiência energética dos automóveis é também uma estratégia efetiva para a redução das emissões de gases de efeito estufa. Os automóveis europeus novos são em média mais de 20% mais eficientes do que os novos automóveis brasileiros, e essa defasagem pode ser eliminada com investimentos em tecnologia veicular”, complementa.

 

Segundo ele, uma análise feita pelo ICCT dos custos e benefícios dessa mudança concluiu que os benefícios para o consumidor superam os custos tecnológicos por uma razão de 2,4.

 

Saúde

 

O peso dos carros na poluição da cidade também ganha destaque quando se analisam os gases com potencial de causar danos à saúde, como o material particulado (MP) e os chamados hidrocarbonetos não metanos (NMHC), ambos relacionados com problemas respiratórios.

 

De acordo com o Inventário de Emissões Atmosféricas do Transporte Rodoviário de Passageiros no Município de São Paulo, dependendo do horário de circulação, os carros chegam a responder por mais de 80% das emissões de MP. Para este poluente, o município tem sistematicamente ultrapassado padrões de qualidade do ar. O mesmo se vê com o NMHC, do qual os carros chegam a ser responsáveis por 87% das emissões nos horários mais críticos de trânsito.

 

Os ônibus só lideram as emissões de óxidos de nitrogênio  (79%), ligados à queima do diesel. Os NOx são precursores, junto com o NMHC, de ozônio, também prejudicial à saúde.

 

Esse dado é importante para a discussão que ocorre no momento na Câmara dos Vereadores de São Paulo de projeto que adia em 20 anos meta de ônibus limpos em São Paulo. A proposta altera o capítulo 50 da lei de mudanças climáticas da capital, que estabelece que até o ano que vem toda a frota de ônibus deveria funcionar com combustíveis limpos. A lei foi pensada para a redução de gases de efeito estufa, mas a substituição de combustíveis fósseis seria boa também para a saúde.

 

“Os dados do Iema mostram que é importante aumentar a disponibilidade de transporte coletivo com baixa emissão de poluentes. Isso garantiria uma melhora na qualidade do ar e na emissão de gases de efeito estufa (uma forma de ganhar dos dois lados). Para isso é importante utilizar formas alternativas ao uso de combustíveis fósseis”, complementou Maria de Fatima. (O Estado de S. Paulo/Girardi)